Não entendo muito a respeito do mundo dos quadrinhos, principalmente dos chamados “graphic novels”, já tive a oportunidade de ler alguns e os que me chamaram mais a atenção foram Wathman e V for Vendetta, coincidentemente do mesmo autor: Alan Moore.
Mas o que há de mais nas histórias criadas por ele? Não é qualquer leigo que terá em suas mãos um graphic escrito por Allan Moore e entenderá todo o contexto, ele aborda da forma mais racional e inteligente possível, diversas questões políticas e sociais que aconteceram ao longo da história.
Juntamente com Frank Miller, Neil Gaiman e alguns outros, ele foi um dos grandes responsáveis pela gradual mudança de status das histórias em quadrinhos no final do século 20, passando a conquistar um novo público nada infantil.
Veremos a abordagem de questões como a guerra fria, guerras mundiais, fascismo, nazismo, comunismo, clássicos da literatura universal, arte, etc. Sem contar a diversidade das obras que “decoram” o cenário, por exemplo, em V for Vendetta veremos um busto de Nefertiti decorando uma mesa, um quadro de Picasso na parede ou A Divina Comédia em um armário...
(Observe bem o que há neste cenário)
Como já conhecia algo sobre a obra de Allan Moore, quis saber quem era o intelectual por trás de todo aquele enredo, então tive acesso ao documentário sobre ele chamado: “The Mindscape of Alan Moore: Writer, Shaman (A Paisagem Mental de Alan Moore: Escritor, Xamã)”.
O documentário possui duração de 1h36min, a meu ver ele divide-se em três partes, que são:
1) Infância e o despertar do interesse por quadrinhos;
2) Ascenção como escritor, as obras e suas abordagens;
3) Reflexões sobre a condição humana e intelectualidades.
1) Ao vermos o intelectual Alan Moore não imaginamos a sua infância miserável em Northampton, Inglaterra, vindo de uma família de operários. Para ele o mundo era tudo aquilo que ele enxergava: a miserabilidade da classe operária. Para ele só existia duas estratificações sociais: os operários e a rainha. Esta visão só foi mudar após ingressar em uma escola conservadora, onde ele pode ver que existia outra classe social: a classe média.
Vemos neste início de documentário a retratação de um jovem que tinha uma boa vocação para os estudos, porém a sua condição social não lhe ajudou a manter esta posição, principalmente após ingressar em uma escola conservadora, onde a maioria dos jovens teve mais acesso ao estudo. Ele começa a deixar o estudos para trás, chegando até a ser expulso da escola aos 17 anos,
Moore não tinha qualquer formação profissional, porém foi o período em que ele começou a se aprofundar cada vez mais no mundo dos quadrinhos, até então ele conhecia apenas publicações simples e monocromáticas editadas para crianças operárias que mostrava a realidade em que ele vivia.
Este acesso aos de quadrinhos, até então desconhecidos, trouxe a Alan Moore a oportunidade de conhecer um novo mundo, agora ele lia histórias policromáticas que aconteciam em Nova York, o que segundo ele era um mundo a parte, não havia diferenças entre NY e Marte, ambos eram um universo longe do seu.
“Não é trabalho do artista dar ao público o que o público quer. Se o público soubesse o que quer, ele não seria o público, ele sim seria o artista. O trabalho do artista é dar ao público o que ele necessita.”
2) Esta segunda parte do documentário trata a respeito da ascensão de Allan Moore no mundo dos quadrinhos como escritor a partir do momento em que suas obras passaram a ser amplamente conhecidas pelo público. Este período foi quando ele passou a colaborar para a revista Warrior, agora ele podia trabalhar com toda a sua liberdade intelectual que até então era negada.
A partir de então sua obra passou a chamar cada vez mai à atenção do público que lhe fez receber a oportunidade de trabalhar para a indústria norte-americana de HQs, alcançando a popularidade que nunca havia imaginado.
Vale lembrar que Moore teve algumas de suas obras adaptadas para o cinema como: A Liga Extraordinária, V for Vendetta e Watchmen. Também vale lembrar que ele não gostou nada do que viu... Pela sua enorme decepção com V for Vendetta (realmente detonaram com a HQ) ele se recusa até hoje a assistir Watchmen...
Ele havia conquistado um grande sucesso que não era eu desejo, para ele a fama não significava absolutamente nada, ela era apenas algo criado para ocupar programas sensacionalistas e revista de fofoca. Neste período Alan Moore passa a se auto intitular um “mago” e opta por viver em certa reclusão social.
3) Nesta terceira parte vemos várias opiniões de Moore sobre algumas questões sociais, vemos um escritor vanguardista com a mente fervilhando de ideias incompreendidas pelo grande público, o que muito o faz se tachado como louco.
Entrando novamente na questão do “mago”, o que seria isto? Segundo Moore “Os escritores e as pessoas que controlam as palavras eram tão temidas quanto um mago”, para ele um mago era apenas capaz de transformar você em um monstro, porém o escritor era capaz de escrever uma sátira que destruiria você frente a sua família, amigos, sociedade e se a sátira fosse tão boa, ela ultrapassaria os limites da história e sua vergonha seria lembrada para sempre. Moore é um mago das palavras, ele reconhece sua intelectualidade e pretende mostrar ao público, para ele a arte no geral é uma forma de magia, é uma forma que o artista tem de expor uma ideia e fazer com que o público passe a ocupar um universo ainda não descoberto, como algo místico.
“A substancia que tem maior efeito sobre a nossa cultura e nossas vidas ó podemos ver seus efeitos, esta substância é a informação.”
Vemos ainda nesta terceira parte várias reflexões pessoais a respeito da sociedade e seus avanços intelectuais, sem contar uma abordagem que retrata a questão da ciência ser um fruto da magia (ele usa a pesquisa da física quântica como exemplo).
Moore propõe a existência de um território hipotético existente em nós, humanos, o chamado “espaço-ideia” da mente que deve ser explorado para deixarmos de agir debilmente apena para viver um dia após o outro, após o alcance do ápice da capacidade intelectual. Este território hipotético não é uma questão científica, pelo contrário é uma abordagem proveniente de sistemas místicos como o tarô e a Cabala, sistemas que fornecem um mapa da condição humana.
Creio que quem tiver a oportunidade de ver este documentário irá se surpreender com a intelectualidade deste xamã, assim como se interessará sem dúvidas em conhecer a sua obra.
Creio que assim como eu, você passará a ver o mundo dos quadrinhos de uma forma nunca imaginada. O que você acharia de uma história em HQ que explorasse um universo erótico trazendo personagens da literatura universal no enredo? Em “Lost girls” o autor promove um mergulho nas aventuras eróticas de três das mais populares personagens da literatura infantil: Alice, de “Alice no país das maravilhas”, Wendy, de “Peter Pan”, e Dorothy, de “O mágico de Oz”.
Em “A Liga Extraordinária” podemos ver personagens da literatura criados por Júlio Verne (capitão Nemo), H.G. Wells (Rodney Skinner), Oscar Wilde (Dorian Gray), etc. Todos juntos lutando contra o crime em uma Era Vitoriana.
“Como seres humanos, habitamos dois mundos distintos e separados, habitamos duas paisagens. Habitamos o mundo físico, sendo que ao mesmo tempo nós só podemos experimentar verdadeiramente nossa percepção deste mundo, parece que na verdade, nós mais vivemos em um mundo de pura consciência e ideias, e me surpreendem os territórios que devem existir neste espaço mental que deve ser composto inteiramente de ideias e conceitos em lugar de ilha e continentes, deve haver grandes sistemas de crenças e filosofias.”
Para a alegria de todos, temos o documentário no youtube, segue o link da parte 1:
http://www.youtube.com/watch?v=VD3YAn9Moxs
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