O texto a seguir não é de minha autoria, ele foi retirado da coleção Gênios da Arte, do fascículo referente ao pintor Picasso.
Em 27 de abril de 1937, o jornal Times publicou esta notícia: “Ontem a tarde. Guernica foi totalmente destruída por um ataque aéreo. O bombardeio na cidade demorou três quartos de hora. Nesse tempo uma esquadrilha de aviões lançou bombas de até 500 quilos, enquanto os caças metralhavam os habitantes que saiam fugindo. Tudo ficou envolto em chamas”.
O governo republicano espanhol o convidou a participar do Pavilhão Espanhol da Exposição Internacional de Paris com uma pintura mural. Em de abril bombardearam Guernica, e os jornais Ce-Sois e L’Humanité publicaram as foto do bombardeio nos dias seguintes. Em 1 de Maio Picasso começou a trabalhar nos mais de estudos que concluíram com Guernica, que em meados de junho foi instalado no pavilhão. No fim do mesmo ano terminou as obras realizadas na linha de Guernica, com A Mulher que chora e A Suplicante.. Em 1934 as imagens sobre o tema da corrida do touro não só tinham aumentado como experimentado algumas variações importantes. O touro que agride e destrói o cavalo tinha e tornado muitas vezes o protagonista (Corrida: A morte do Toureiro, cujo o cavalo é um antecedente direto). Em Guernica, a cena desenvolve um acontecimento que ocasionalmente tem lugar na praça, mas o faz com uma intensidade cruel que transborda o próprio acontecimento. A violência mais extrema é o motivo central, a brutalidade do touro, seu instrumento. Uma figura bem distinta, uma mulher com um candeeiro ou uma vela, começa a iluminar as cenas de violência.
Com Guernica Picasso inaugurou uma temática de grande dignidade no século 19: a pintura de batalha. Mas Picasso inverteu a tradição: aqui não há heróis, só há vítimas, não há natureza, só ruas arrasadas, não há dignidade nem na vitória nem no perdão, só a atrocidade do que está impiedosamente arrasado; não há soldados, guerreiros lutadores, só a violência mais desmedida. O artista evita a representação do episódio do bombardeio. Não se reconhecem as imagens que aparecem aqueles dias nos jornais, mas sua violência é maior. Guernica é a alegoria que adianta a tragédia Segunda guerra Mundial, de Dresde, de Londres, de Hiroshima... Picasso serviu-se do touro enérgico e monumental , do cavalo destripado que relincha de dor, da maternidade dolorida, do guerreiro morto, da mulher que grita aterrorizada ante o desastre, da luz que ilumina os acontecimentos, da luz do bombardeio... E constrói um espaço angustiado, no qual os personagens se estiram e crescem exageradamente. A intensidade do horror do acontecimento atinge o espectador no primeiro golpe de vista. A iluminação acentua a violência descarnada, e a ausência de cor faz com que a violência desse apocalíptico mundo de sombras seja um herdeiro direto e contundente das pinturas de Quinta de Sordo. A força da obra se radicaliza no mundo de desolação e violência e no phatos que ele expressa.
A interpretação de Picasso transformou o fato no acontecimento do século, ao incorporar a ele as próprias experiências. Não é a atualidade histórica nem a representação do acontecimento concreto o que confunde a validade do quadro. Mas a consternação que invadiu o ânimo do artista, que fez possível a modelagem da eternidade do sofrimento.
A poesia do ciclo de águas-fortes Sonho e Mentira de Franco terminam com estas palavras: “grito de meninos, grito de mulheres, grito de pássaros, grito de flores (...), gritos de árvores e de pedras, gritos de fumaça, dos gritos que cozinham na caldeira e da chuva de pássaros que inundam o o mar que rói o osso...”